Na Roça
O sol a nascer atrás do monte
E a passarada a cantar
O murmúrio, a frescura da fonte
E o céu começando a clarear
Cai de manso sobre a terra
Sereno da madrugada
E quanta poesia se encerra
Numa plantinha orvalhada
O céu é rica palheta
A luz do sol no levante
Destaca-se nele a silueta
Da serrania distante
Ouve-se o brando cicio
Da brisa ao perpassar
E lá...doutra banda do rio
Um galo põe-se a cantar
Passarinhos pipilando
Festejam a alvorada
Vê-se além um boi pastando
Junto à curva da estrada
Ouve-se ao longe o chiado
De um velho carro de boi
Lembrança de um tempo passado
De um tempo que se foi...
Bem pertinho da estrada
Uma casa de sapé
Soltando uma fumarada...
Já estão coando o café
Borboletas multicores
E um beija flor, que beleza!
A esvoaçar entre as flores
São risos da natureza
Vai o sol se levantando
Todo luz, todo esplendor
Seus raios a terra beijando
Dão-lhe brilho, vida e calor
O sol já vai esquentando...
Que cheiro bom vem do mato!
As árvores se debruçando
Sobre as águas do regato
Dois cavaleiros trotando
Vêm descendo uma ladeira
Os cavalos relinchando
Numa nuvem de poeira
A gente levanta bem cedo
Para ver o sol raiar
E ouvir o passaredo
Em bando alegre cantar
O mugir da vaca malhada
E um copo de leite quentinho...
Na cozinha atijolada
Um bom café com bolinho
Claras manhãs lá da roça
Cheias de luz e esplendor!
Pois essa beleza é bem nossa
É dádiva do Criador
E o azul do céu se acentuando
Num colorido sem par!
Uma leve névoa flutuando
Insetos bailam no ar
Sai do ninho uma galinha
Bulhenta, cocoricando
E vai mui ligeirinha
O seu ovo anunciando
Ditinha varrendo o terreiro
Pondo-o bem limpo e garrido
Espanta o cavalo matreiro
Sai pra lá, seu atrevido!
Uns pintinhos vão ciscando
Lá no fundo do quintal
Pombas brancas arrulhando
Sobre as telhas do beiral
Na cozinha a Nhá Maroca
Vai cozinhando o feijão
Enquanto moe a paçoca
Num grande e velho pilão
Puxando o balde, a Ditinha
Lá das profundezas do poço:
Vô matá uma franguinha
Tá na hora do armoço
O cachorro perdigueiro
Latindo espanta a gatinha
Que corre pelo terreiro
E se esconde na cozinha
O forno de barro a um canto
Além, o valho paiol
E tudo brilha, tudo é encanto
À luz dourada do sol
A cabra está dormitando
À sombra de um velho telheiro
E uns porcos vão engordando
No cercado do chiqueiro
Na roça a vida é tão boa!
Quanto sossego e fartura
Galinha, frango e leitoa
Milho verde, rapadura...
Feixes da verde cana
E a garapa saborosa
Cachos da boa banana
Madurinha apetitosa
Junto à casa, no terreiro
Viceja florida roseira
Rente a ela um chuchuzeiro
E uma verde e folhuda abobreira
Horta e o jardim reunidos
Num abraço fraternal
Que cheiro bom! É o craveiro
Junto à cerca do quintal
À tarde o sol já tombando
Entre as nuvens do poente
Um vento bom vai soprando
Refrescando a terra ardente
Uma janta bem gostosa
Com virado de feijão
Linguiça frita e cheirosa
E um quartinho de leitão
As laranjeiras floridas
Com seu cheiro adocicado
Ostentam garbosas, garridas
Brancas flores de noivado
O milharal ondulando
Ao vento fresco da tarde
Os frutos vão sazonando
A um sol tão quente que arde!
Um velho monjolo socando
No seu tum tum cadenciado
Quanta coisa vai lembrando
Saudosa voz do passado...
A roda d’agua rodando
No seu constante rodar
A paisagem vai enfeitando
Com seu imponente girar
Que beleza o ribeirão
Entre as pedras saltitando!
Lá em baixo, num grotão
As águas vai despejando...
A tarde morrendo, morrendo...
O céu se tinge em rubores
Num espetáculo estupendo!
Numa apoteose de cores!
E a noite cai sobre a terra
Cobrindo-a de espeço véu
Oh! Quanto mistério se encerra
Nos astros que brilham no céu!
O primeiro vagalume
Qual lanterninha encantada
Fura o negrume da noite
Com sua luzinha esverdeada
Tudo é paz, tudo é silente
Cessando as lidas diurnas
Só se ouve tristemente
O pio das aves noturnas
No terreiro, Nhô Bastião
A velha sanfona empunhando
Com alma e com perfeição
Linda valsa vai tocando
Noites de São João na roça!
Mil encantos, tradição
Bom quentão, festança grossa
Com rezas, fogueira e rojão
Eis o mastro no terreiro
Todo enfeitado de flores
E ao canto milagreiro
Todos rendem seus louvores
Um cafezinho cheiroso
Com bolinho de fubá
E um bate pé gostoso
Pra friage espantá
Viva São João, viva São João!
Noites claras de luar
Tem no mato mais poesia
Fazem na alma despertar
Saudade e melancolia
Então à luz do candeeiro
No doce aconchego do lar
Um café com pão caseiro
E depois... é descansar
A vida é bem trabalhosa
Quer na roça ou na cidade
Mas no sítio é mais gostosa
Mais fartura e liberdade
No tempo da chuvarada
O sítio é desolação!
O marulho da enxurrada
Goteiras pingando no chão
Céu plúmbeo, nuvens escuras
A toldar a luz do sol
Põem na alma mil tristezas
Nem pássaros nem arrebol
Mas as chuvas são amigas
Delas o chão se aproveita
Pondo a crescer as espigas
Dando-nos farta colheita
Até o frio lá na roça
Tem sua compensação
Em noites de geada grossa
Conversar ao pé do fogão
A boa batata assada
No braseiro do tição
E a pipoca arrebentada
Num enorme panelão
Dorme a gata friorenta
Na quentura do paiol
Ui! Que frio! E a velha Benta
Tranca a porta do quintal
E contam-se histórias antigas
E “causos” de assombração
Histórias que são ouvidas
Com arrepio e emoção
Um cafezinho bem quente
Para espantar a friagem
Põe o pessoal bem contente
Dá calor e dá coragem
Depois, é a cama quentinha
E um macio cobertor
Dormindo-se até manhazinha
Um sono reparador.
Anna Nayá Fleury Nogueira – In Mente
Apresentado por Déa Nayá Josting Nogueira
O sol a nascer atrás do monte
E a passarada a cantar
O murmúrio, a frescura da fonte
E o céu começando a clarear
Cai de manso sobre a terra
Sereno da madrugada
E quanta poesia se encerra
Numa plantinha orvalhada
O céu é rica palheta
A luz do sol no levante
Destaca-se nele a silueta
Da serrania distante
Ouve-se o brando cicio
Da brisa ao perpassar
E lá...doutra banda do rio
Um galo põe-se a cantar
Passarinhos pipilando
Festejam a alvorada
Vê-se além um boi pastando
Junto à curva da estrada
Ouve-se ao longe o chiado
De um velho carro de boi
Lembrança de um tempo passado
De um tempo que se foi...
Bem pertinho da estrada
Uma casa de sapé
Soltando uma fumarada...
Já estão coando o café
Borboletas multicores
E um beija flor, que beleza!
A esvoaçar entre as flores
São risos da natureza
Vai o sol se levantando
Todo luz, todo esplendor
Seus raios a terra beijando
Dão-lhe brilho, vida e calor
O sol já vai esquentando...
Que cheiro bom vem do mato!
As árvores se debruçando
Sobre as águas do regato
Dois cavaleiros trotando
Vêm descendo uma ladeira
Os cavalos relinchando
Numa nuvem de poeira
A gente levanta bem cedo
Para ver o sol raiar
E ouvir o passaredo
Em bando alegre cantar
O mugir da vaca malhada
E um copo de leite quentinho...
Na cozinha atijolada
Um bom café com bolinho
Claras manhãs lá da roça
Cheias de luz e esplendor!
Pois essa beleza é bem nossa
É dádiva do Criador
E o azul do céu se acentuando
Num colorido sem par!
Uma leve névoa flutuando
Insetos bailam no ar
Sai do ninho uma galinha
Bulhenta, cocoricando
E vai mui ligeirinha
O seu ovo anunciando
Ditinha varrendo o terreiro
Pondo-o bem limpo e garrido
Espanta o cavalo matreiro
Sai pra lá, seu atrevido!
Uns pintinhos vão ciscando
Lá no fundo do quintal
Pombas brancas arrulhando
Sobre as telhas do beiral
Na cozinha a Nhá Maroca
Vai cozinhando o feijão
Enquanto moe a paçoca
Num grande e velho pilão
Puxando o balde, a Ditinha
Lá das profundezas do poço:
Vô matá uma franguinha
Tá na hora do armoço
O cachorro perdigueiro
Latindo espanta a gatinha
Que corre pelo terreiro
E se esconde na cozinha
O forno de barro a um canto
Além, o valho paiol
E tudo brilha, tudo é encanto
À luz dourada do sol
A cabra está dormitando
À sombra de um velho telheiro
E uns porcos vão engordando
No cercado do chiqueiro
Na roça a vida é tão boa!
Quanto sossego e fartura
Galinha, frango e leitoa
Milho verde, rapadura...
Feixes da verde cana
E a garapa saborosa
Cachos da boa banana
Madurinha apetitosa
Junto à casa, no terreiro
Viceja florida roseira
Rente a ela um chuchuzeiro
E uma verde e folhuda abobreira
Horta e o jardim reunidos
Num abraço fraternal
Que cheiro bom! É o craveiro
Junto à cerca do quintal
À tarde o sol já tombando
Entre as nuvens do poente
Um vento bom vai soprando
Refrescando a terra ardente
Uma janta bem gostosa
Com virado de feijão
Linguiça frita e cheirosa
E um quartinho de leitão
As laranjeiras floridas
Com seu cheiro adocicado
Ostentam garbosas, garridas
Brancas flores de noivado
O milharal ondulando
Ao vento fresco da tarde
Os frutos vão sazonando
A um sol tão quente que arde!
Um velho monjolo socando
No seu tum tum cadenciado
Quanta coisa vai lembrando
Saudosa voz do passado...
A roda d’agua rodando
No seu constante rodar
A paisagem vai enfeitando
Com seu imponente girar
Que beleza o ribeirão
Entre as pedras saltitando!
Lá em baixo, num grotão
As águas vai despejando...
A tarde morrendo, morrendo...
O céu se tinge em rubores
Num espetáculo estupendo!
Numa apoteose de cores!
E a noite cai sobre a terra
Cobrindo-a de espeço véu
Oh! Quanto mistério se encerra
Nos astros que brilham no céu!
O primeiro vagalume
Qual lanterninha encantada
Fura o negrume da noite
Com sua luzinha esverdeada
Tudo é paz, tudo é silente
Cessando as lidas diurnas
Só se ouve tristemente
O pio das aves noturnas
No terreiro, Nhô Bastião
A velha sanfona empunhando
Com alma e com perfeição
Linda valsa vai tocando
Noites de São João na roça!
Mil encantos, tradição
Bom quentão, festança grossa
Com rezas, fogueira e rojão
Eis o mastro no terreiro
Todo enfeitado de flores
E ao canto milagreiro
Todos rendem seus louvores
Um cafezinho cheiroso
Com bolinho de fubá
E um bate pé gostoso
Pra friage espantá
Viva São João, viva São João!
Noites claras de luar
Tem no mato mais poesia
Fazem na alma despertar
Saudade e melancolia
Então à luz do candeeiro
No doce aconchego do lar
Um café com pão caseiro
E depois... é descansar
A vida é bem trabalhosa
Quer na roça ou na cidade
Mas no sítio é mais gostosa
Mais fartura e liberdade
No tempo da chuvarada
O sítio é desolação!
O marulho da enxurrada
Goteiras pingando no chão
Céu plúmbeo, nuvens escuras
A toldar a luz do sol
Põem na alma mil tristezas
Nem pássaros nem arrebol
Mas as chuvas são amigas
Delas o chão se aproveita
Pondo a crescer as espigas
Dando-nos farta colheita
Até o frio lá na roça
Tem sua compensação
Em noites de geada grossa
Conversar ao pé do fogão
A boa batata assada
No braseiro do tição
E a pipoca arrebentada
Num enorme panelão
Dorme a gata friorenta
Na quentura do paiol
Ui! Que frio! E a velha Benta
Tranca a porta do quintal
E contam-se histórias antigas
E “causos” de assombração
Histórias que são ouvidas
Com arrepio e emoção
Um cafezinho bem quente
Para espantar a friagem
Põe o pessoal bem contente
Dá calor e dá coragem
Depois, é a cama quentinha
E um macio cobertor
Dormindo-se até manhazinha
Um sono reparador.
Anna Nayá Fleury Nogueira – In Mente
Apresentado por Déa Nayá Josting Nogueira
6 comentários:
Faço minhas as doces e verdadeiras palavras da Bea, especialmente em "Maravilhosa descoberta poética!".
Beijos ao três: Anna, Bea e vc.
Marilândia
simplesmente ótimo esse poema que faz
eu me lembrar no meu tempo de menino
la na roça trabalhando e traçando meu
destino hoje sou homem formado mas não
esqueci meu passado vivo na cidade grande
com tristeza e muito ódio pois aqui nessa
terra de gigantes só se vê maconha cocaína
e os pais ausentes mortes e destruição que
história contaremos para essa gente...
Ôh saudade da simplicidade do meu ranchinho :( do meu Pará
Ôh saudade da simplicidade do meu ranchinho :( do meu Pará
Que lindo poema NA ROÇA! Ao ler senti saudade da roça onde eu morava. A casa já nem existe mais, só mato e pastagem.
João Barbosa
jbpoeta@hotmail.com
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